Recentemente em nosso Estado foi divulgada a perfuração, por parte da CESAN, de 10 poços profundos para abastecer 9 municípios que encontram-se em racionamento de água. Esta ação traduz como no Estado praticamente inexiste esse tipo de prática o que acaba por sobrecarregar as águas superficiais.
Tratar a perfuração de um poço artesiano como uma loteria apresenta risco inversamente proporcional à ausência de informações. Em todo o território nacional é ínfima a quantidade de poços que se valem de estudos hidrogeológicos detalhados devido a sua complexidade e custo relativamente elevado. Considerada cada vez mais como uma possibilidade, principalmente em época de crise hídrica acentuada, os estudos para mapeamento e identificação dos locais mais propícios são fundamentais para uma gestão de qualidade.
Não se pode confiar naquilo que não se pode ver. Essa máxima também robustece a falta de estudos e de conhecimento técnico sobre nossas águas subterrâneas. Há pouca experiência acumulada no assunto e as ações são 100% voltadas as águas superficiais. Como se tratam de temas distintos, não se pode propiciar as mesmas soluções para ambos os casos. Há necessidade de investimentos urgentes para o domínio dessa área.
Produtividade cai assim que o poço fica velho. Mais uma afirmação embasada no pouco conhecimento técnico. Trata-se de uma obra de engenharia, onde diversos fatores influenciam de forma significativa na sua vida útil. Materiais utilizados, tecnologia de perfuração, manutenção, qualidade das águas e o gerenciamento da explotação do aquífero são alguns destes fatores que devem ser observados.
Quando comparado ao uso superficial, o uso das águas subterrâneas apresentam algumas vantagens, a saber algumas: menor custo (50 a 70%); aumenta a segurança hídrica; não gera resíduos; baixo custo de instalação; menor vulnerabilidade à contaminação e; maior resiliência as mudanças climáticas.
Sobre a gestão é preciso ter uma visão integrada de ambos os sistemas de captação. Não é aconselhável ter somente uma das duas como opção. As águas superficiais são mais indicadas especialmente nos períodos das chuvas onde rios e córregos apresentam um maior volume disponível. A medida que a vazão destes reduz, entra em ação o uso das águas subterrâneas para não comprometer os mesmos e assegurar o abastecimento de forma mais constante possível. Apesar de ser de fácil compreensão este método ainda é pouco utilizado e requer eficiente e permanente sistema de monitoramento de recursos hídricos.
Diante da importância do uso das águas subterrâneas surge sempre uma pergunta: por que a legislação não funciona? O primeiro ponto é a falta de fiscalização. A nossa Agencia Estadual de Recursos Hídricos – AGERH possui reduzido quadro de pessoal e a fiscalização dos usos fica a cargo de parcerias com outras instituições estaduais e municipais. Além disso, os técnicos de recursos hídricos conhecem mais sobre águas superficiais o que evidencia a necessidade premente de capacitações na área. Colabora para esta situação o exemplo da outorga para uso de água superficial que além de não cumprir com suas funções, institucionalizou o conflito pelo uso da água e burocratizou o acesso ao crédito para equipamentos de irrigação. Com isso, e também com a complexidade exacerbada imposta para o simples cadastramento de poços, onde parece que a busca pelas informações sobre nossas águas subterrâneas para uma gestão eficiente é repassada à custa dos usuários, a legislação fica a mercê da não observação pelo simples fato de ser impossível o seu cumprimento.
Por fim, muitos usuários não enxergam a clandestinidade (baseada, por enquanto, no não cadastramento aqui em nosso Estado) como uma falta grave, mesmo diante dessa situação que atravessamos. Diante de todo esse processo, podem-se indicar algumas consequências graves que comprometem ainda mais a gestão de nossos recursos hídricos, a saber: superexplotação dos aquíferos onde cada ação individual contribui para a formação de um grande problema para todos; perda de fluxos de bases que resulta na seca de rios e áreas úmidas que ainda resistem e; em áreas costeiras observa-se a entrada de água salgada em nossos rios e até mesmo em aquíferos.
Como sugestão para uma eficiente gestão dos usos das águas subterrâneas em nosso Estado, pode-se pegar como base algumas lições tais como: necessidade de uma legislação factível, que seja passível de cumprimento e ao mesmo tempo atraente para o usuário; outorga precisa ser menos burocrática, mais dinâmica e menos demorada; trabalho intenso de educação para o uso do recurso subterrâneo pois como o mesmo é individual, o monitoramento depende muito do usuário e este deve estar ciente da importância de seu papel no processo para minimização de conflitos inclusive; a nossa Agência precisa se fazer presente no campo para, principalmente, não passar a imagem de que a gestão dos nossos recursos hídricos não é apenas cartorial; estabelecer critérios para identificação de áreas mais vulneráveis para ações de gestão visto os recursos serem limitados; apoiar a perfuração de novos poços para abastecimento público especialmente nas épocas de seca e realizar a gestão do mesmo juntamente com as captações superficiais e; por fim finalizar o Plano Estadual de Recursos Hídricos para fundamentar e orientar a implementação da política estadual de recursos hídricos, seus instrumentos e também o seu monitoramento.
Murilo Pedroni
Eng. Agrônomo, Assessor da Faes e Diretor Executivo do Cedagro |