Cultivo da palmeira juçara gera renda e protege espécie ameaçada
Exploração sustentável da palmeira nativa da Mata Atlântica para comercialização do fruto, semelhante ao açaí, tem ajudado a preservar espécie em risco de extinção
28 de junho de 2022
Quilo do fruto da palmeira juçara pode valer até quatro vezes mais que o do palmito / Foto: João Marcos/Nitro Imagens
Processo
Emerson conta que o reflorestamento foi feito por etapas. “Primeiro, criamos uma área de abandono (local onde a vegetação pode crescer livremente por tempo determinado sem nenhum plantio prévio). Isso dá a chance de as sementes que chegam no bico dos pássaros vingarem e nascerem. Depois, roçamos a capoeira (vegetação secundária composta por gramíneas e arbustos esparsos, que cresce após a derrubada da vegetação original). Deixamos apenas as mudas de até um dedo de espessura. Essas medidas enriquecem o solo naturalmente com a decomposição das folhas e frutos que caem, por exemplo.”
Quando a família de Emerson Miranda adquiriu uma propriedade de 15 hectares em Santa Teresa, município distante cerca de 70 quilômetros da capital, Vitória, o cenário era muito diferente do que é hoje. O local era repleto de bananeiras, laranjeiras e 13 mil pés de café. A mata nativa se resumia a apenas um hectare.
Em 1990, Emerson e a esposa, Viviane Lopes, iniciaram o processo de recuperação da mata nativa. “A gente queria devolver a floresta para a natureza”, conta.
Hoje o sítio Rancho Fundo conta com mais de 10 hectares - o equivalente a 10 campos de futebol - de vegetação nativa. O caminho para o reflorestamento foi o plantio da palmeira juçara, espécie nativa da Mata Atlântica, similar ao açaizeiro, natural da Amazônia. Atualmente, a propriedade possui mais de 400 pés da juçara registrados no Programa Estadual de Ampliação da Cobertura Vegetal, o Reflorestar, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama). Além disso, ostenta mais de 20 mil pés fora do programa.
Ameaça de extinção
A palmeira juçara é uma espécie ameaçada de extinção por causa da extração do seu palmito. Como a planta é monocaule, a retirada do palmito causa a morte da árvore. Por isso, desde 2008 sua exploração é proibida. Entretanto, o palmito continua a ser extraído ilegalmente e é vendido no mercado disfarçado de pupunha e açaí.
Processo de recuperação da mata nativa no sítio Rancho Fundo teve início em 1990. Atualmente, mais de dois terços da área da propriedade são ocupados pela vegetação original. Foto: arquivo pessoal
Em seguida, Emerson faz o manejo das árvores que surgiram naturalmente, sem a necessidade de plantio. O manejo consiste em limpar a área, afastando mudas muito próximas, para que seja possível a introdução de outras culturas como a juçara.
A palmeira promove uma restauração natural muito diversificada. É o que explica o agricultor: “As aves chegam para comer o fruto da juçara e trazem sementes, que caem no solo e germinam. Assim, em torno da juçara, cresce um ecossistema bem variado”, pontua.
Além do surgimento natural de algumas espécies e do cultivo da juçara, Emerson também plantou na propriedade cacau, pupunha, cítricos, açafrão e café, por exemplo. Tudo no meio da floresta. Essas outras culturas são mantidas apenas para a subsistência, diferente do fruto da juçara, que é comercializado. “O extrativismo faz a floresta trabalhar para você”, comemora.
Plantio de Palmeira Jussara para extração do fruto e não do palmito, preserva a espécie ameaçada de extinção e gera renda para os produtores rurais. Foto: Produção WRBrasil
Plantio de Palmeira Jussara para extração do fruto e não do palmito, preserva a espécie ameaçada de extinção e gera renda para os produtores rurais. Foto: Produção WRBrasil
Recuperação do ecossistema
Dividido entre área de floresta densa e sub-bosque, o sítio Rancho Fundo hoje esbanja vida. Espécies em extinção voltaram a aparecer, como a samambaiaçu (espécie de samambaia com porte de árvore). É que o processo de reflorestamento trouxe de volta não só as árvores, mas também muitos animais. É o que observa Emerson:
“Cinco jacus moram lá. Com a florada da juçara, chegam a aparecer 30, bem como muitos tucanos, arapongas, sabiás-preto e várias outras espécies de aves. Também tem muitos macacos-prego, insetos, anfíbios e pequenos répteis. Fora do período de florada, há menos animais, mas bichos maiores aparecem por terem mais local de passagem. Tem muitos gatos-do-mato, caticocos (roedor também chamado de caxinguelê), iraras (semelhante aos furões), lontras e até onças”, conta.
Outra vantagem do reflorestamento foi a mudança observada no microclima. “No sítio vizinho, você não aguenta de calor. No nosso, a temperatura é amena, já que há sempre orvalho nas folhas e o solo está sempre úmido. A juçara depende desse clima para se disseminar. Por isso que ela não vai para o sítio vizinho, mesmo que os pássaros levem as sementes. Aqui foi criado um microclima”, relata.
Água é um recurso que não falta na propriedade, já que a juçara é protetora natural das nascentes. “Depois que reflorestamos, brota água onde não brotava. Brota água sem parar, mesmo sem chuvas. E a floresta segura muito a água. Mesmo na crise hídrica de 2013, ficamos protegidos. Sítios vizinhos precisaram ser abastecidos por caminhão pipa. Para nós, nem parecia que tinha crise hídrica”, lembra o proprietário do sítio Rancho Fundo.
Espírito Santo foi o primeiro estado do pais a instruir, por meio de lei específica, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para recompensar financeiramente produtor rural que preserva e recupera meio ambiente. Foto:BANDES
Reflorestar
O trabalho desenvolvido na propriedade de Emerson só foi possível porque houve apoio do governo, em especial por meio do programa Reflorestar. “Ele foi vital para nós, bem como a parceria com o Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural) de Santa Teresa e o Iema (Instituto Estadual de Meio Ambiente)”, declara.
De acordo com a Seama, o Reflorestar é uma iniciativa do Estado que tem como objetivo promover a restauração do ciclo hidrológico por meio da conservação e recuperação da cobertura florestal. Além disso, o programa está focado na geração de oportunidades e renda para o produtor rural via fomento do manejo sustentável dos solos.
Marcos Sossai, coordenador da iniciativa criada em 2011, afirma que o Reflorestar já apoiou a restauração de aproximadamente 10 mil hectares no Espírito Santo. Além disso, o projeto faz Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no estado, remunerando o produtor que preserva e recupera recursos naturais. “Reconhecemos, por meio do Pagamento por Serviços Ambientais, outros 10 mil hectares de florestas já existentes”, pontua Sossai.
Em 2008, o Espírito Santo foi o primeiro Estado do país a criar lei específica instituindo um programa estadual de PSA. Nessa época, o programa só reconhecia para pagamento as florestas estabelecidas. Em 2012, por meio da Lei Estadual 9.864/2012, o Estado passou a prestar apoio financeiro não só para a manutenção da floresta, mas também para sua recuperação.
O Programa Reflorestar adota dois modelos de restauração: ativa e passiva. A primeira ocorre por meio do plantio de espécies florestais e/ou da condução da regeneração. O método envolve grandes esforços e altos custos de implantação. Já a restauração passiva consiste no uso de práticas de fiscalização e monitoramento, isolamento do fator degradador, fornecimento de incentivos para manutenção, dentre outros. Pode viabilizar a restauração em larga escala já que é de baixo custo; por isso, é muito usada no cumprimento de acordos internacionais de reflorestamento.
O Reflorestar foi idealizado pela Seama, por meio do Iema. Desde 2012, o programa é coordenado exclusivamente pela Seama, por intermédio do Núcleo de Gerenciamento do Programa Reflorestar.
Agricultura familiar
Emerson entende que a preservação ambiental não é viável sem que sejam levadas em conta as necessidades do produtor rural. “Essa é nossa grande luta. É preciso valorizar o produtor para viabilizar a preservação ambiental. Caso contrário, continuaremos a ver a exploração predatória dos recursos naturais”, destaca.
Em 2013, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) aprovou uma instrução normativa sobre as condições para a exploração sustentável do fruto da juçara. Emerson e Viviane, então, aprenderam o manejo da palmeira e adequaram a propriedade à instrução. Assim, Emerson tornou-se o primeiro produtor do estado com certificação para o manejo florestal da juçara.
Hoje, os proprietários do sítio Rancho Fundo vendem a polpa do açaí da juçara e dão consultoria para os palmiteiros da região. O casal ensina que é possível ter muito mais lucro com o fruto da palmeira, vendido a R$ 40 o quilo, do que com o palmito – comercializado a cerca de R$ 10.
“Cada palmeira gera para quem produz e beneficia seu fruto em torno de R$ 500 ao ano. É possível viver bem só da comercialização do fruto da juçara. Não tenho dúvidas da sua viabilidade comercial. Além disso, plantando a palmeira, recuperamos a floresta e contribuímos para o equilíbrio do meio ambiente. Vale muito a pena”, explica.
O estilo de vida verde de Emerson está em consonância com o tema do Dia Mundial do Meio Ambiente 2022, celebrado em 5 de junho. O ideal "Uma Só Terra" tem foco na vida sustentável em harmonia com a natureza.
Iniciativas na Ales
Ciente da relevância da palmeira juçara no estado, em especial em Rio Novo do Sul, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou a Lei 11.583/2022, iniciativa do deputado Dr. Emílio Mameri (PSDB) que confere ao município o Título de Capital Estadual do Juçara.
Também tramita na Ales o Projeto de Lei (PL) 194/2022, proposta do deputado Marcelo Santos (Podemos) para criação da Rota do Juçara, que inclui os municípios de Rio Novo do Sul e Vargem Alta.
FONTE: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ES
Por Gabriela Knoblauch, com edição de Nicolle Expósito